domingo, 28 de julho de 2013

Competir a escrever #8

À 7ª semana, foi este o desafio: "Qual será a cor da revolta? Escreva sobre ela."

A versão da Claudiamar foi esta.

Aqui está a minha:


Hoje escapuli-me à reunião da Mocidade Portuguesa. O meu primo João, que já é Cadete, contou-me que o que nos estão a fazer é uma lavagem cerebral e que as coisas não se passam como nos querem fazer crer. As fotografias que projectam para mostrar as atrocidades que os pretos fazem aos portugueses são, segundo o meu primo, falsas. Diz ele que a gente é que lhes foi roubar a terra e que os nossos soldados, antes de regressarem, matam, mutilam e violam apenas por prazer. Os que não sobrevivem deixam por cá as mães a chorar os filhos, que “foram heróis no Ultramar”. Que ultraje! Quer que o acompanhe a um encontro de jovens, mas em segredo. Cheira-me a sarilhos e rejeito o convite.
Os meus pais não sabem que faltei e os meus colegas Vanguardistas estão demasiado concentrados em folhear aqueles folhetos com imagens de mulheres nuas que o Fernandinho levou a semana passada para darem pela minha falta, como miúdos de 15 anos que são.
Às escondidas, espreito pela porta entreaberta do salão paroquial e escuto, em surdina, a conversa do meu primo João e dos amigos dele. Falam alto, põem-se de pé, esbracejam. Têm o rosto ruborizado e parecem-me exaltados. Acho que se estão a arriscar um bocado, pois se alguém sequer sonhar que estão a pôr em causa o regime, vão meter-se em sérios trabalhos. Podem até ser acusados de conspiração contra a Nação!
Ouço um deles falar em “revolta”. Surgem, aleatoriamente, palavras como “revolução”, “armas”, “cravos”, “Abril”. Sinto-me assustado. Apercebo-me de que há um movimento militar ao qual querem juntar-se, mas contra a nossa própria Pátria. Como podem pensar assim? O que aconteceu aos imperecíveis princípios e valores da civilização cristã que sempre nos foram incutidos? Onde está o sentimento da ordem, o gosto pela disciplina e o culto do dever que nos foram ensinados?
Fecho os olhos por um momento e vejo tudo vermelho. Imagino sangue, pessoas a correr e a cair, gritos e dor. Caio em mim e vejo que o ambiente que se sente naquela sala me foi transmitido. Não estive lá dentro, mas sinto-o. Nasceu em mim uma força, uma revolta. 
Se me perguntarem de que cor é, respondo que não tem. A revolta não tem cor. Não tem cheiro, nem tem sabor. A revolta sente-se. Só o tacto dá por ela, pela tensão no corpo de quem a experimenta.

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